segunda-feira, 18 de abril de 2011

Ópera do Vivos

Por Rodrigo Sampaio



Levei meu caderninho. Às vezes gosto de fazer anotações ao longo do espetáculo, mas essa prática tem se mostrado algo de prejuízo. Afinal, baixar os olhos para escrever significa perder partes, mas também garante um certo distanciamento necessário aos estudantes de teatro.


No caso da Ópera dos Vivos, peça encenada pela Cia. do Latão que já teve a temporada encerrada em São Paulo, esse distânciamento já está no pacote da composição espetáculo, evitando um envolvimento completo com o drama. Logo no primeiro ato, a narradora relata em alguns momentos partes do processo de pesquisa e montagem do grupo de atores e, mesmo assim, toda ação é envolvente. Meu caderninho mostrou-se inútil logo no início diante daquele trabalho rico de conteúdo e pesquisa que me deixou de olhos vidrados.

Um espetáculo que demora três anos para ser montado não se justifica com longa duração do mesmo, mas com pesquisa. Tanto que as quatro horas da peça são tão bem conduzidas que, ao final, chega a dar pena de levantar e sair do teatro.

Isso porque os quatro atos eram brilhantemente independentes e incrivelmente relacionados. Relatando assim, não há como fazer ligação de uma sociedade mortuária (que se une para enterrar com dignidade seus mortos) com a história de um empresário em conflito de interesses pessoais e profissionais, um show de artistas rendidos ao mercado da música e um ator de TV que se nega a fazer a cena de morte de seu personagem.

No entanto, a sociedade mortuária apresenta a temática do surgimento de ligas camponesas que constituem parte do retrato apresentado no segundo ato, que mostra também uma atriz engajada que descobrimos ser a mãe de uma jovem “acomodada” que conheceremos no 4º ato, trazendo uma discussão sobre a a posição ocupada pela juventude atual e o conflito das gerações. No terceiro ato presenciamos o show daquela cantora que aparece em relances no segundo ato e que agora está ali, recém saída de um coma de três anos e tenta compreender o que aconteceu durante sua ausência e canta uma música que conhecemos no primeiro ato. E muito mais.

Além desses elementos soltos que se interligam e te fazem exclamar “que genial” em pensamento, existe o óbvio: a condução cronológica que conduz de um ato ao outro. Iniciando antes dos anos 60 passando pelos anos 70 e acabando em tempos atuais.

Ao longo da evolução do espetáculo, recursos vão sendo adicionados. O primeiro ato conta apenas com a luz, sonoplastia, cenário, figurinos e atores. No segundo, o recurso audiovisual é introduzido no espetáculo com a projeção do filme de média metragem. No terceiro, entram os microfones e amplificadores, recursos de som e o mais que é necessário para a estrutura de um pequeno show. E no 4º ato todos os recursos se misturam, microfones, projeções, cenário, figurino etc.

Logo, acaba-se revelando uma pesquisa ainda mais aprofundada e com um foco central para cada ato-época. No início, discute-se como era realizado o teatro, depois o cinema trazendo uma linguagem do cinema-novo do Brasil (só sei disso porque li a respeito e agora preciso sanar o desejo de assistir Terra em Transe), e então o foco volta-se para a música com claras referências ao Tropicalismo dos anos 70 e terminando na TV, expondo como caminhou o trabalho artístico no país ao longo desses anos.

E que país? O nome do Brasil não aparece no espetáculo apesar da pesquisa ter sido feita sobre a história dessas terras tupiniquins. E precisa contar qual é o país? É meio óbvo.

Qual o propósito de se fazer teatro político com uma estética épica entregando tudo de mão beijada? Não citar Brasil é uma escolha acertada, pois o a peça não se propõe a denunciar ou defender a verdade ideológica do grupo, mas convida a refletir a partir de argumentos construídos de maneira sólida a respeito de tantas mudanças que aconteceram ao longo dos anos. Foram benéficas ou prejudiciais ao artista e a sociedade?

Isso é teatro político, teatro que tenta fazer pensar. Se vê muito teatro assim por aí, mas teatro político fundamentado com sólida pesquisa e passando longe de ser panfletário, raro. Meu caderninho se encheu de escritos mais tarde.


Rodrigo Sampaio é aluno do curso profissionalizante de Teatro da Fundação das Artes e integra a turma 48. Quer ver seu texto aqui? Mande para teatrofascs@gmail.com

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