terça-feira, 1 de novembro de 2011

Hamlet pós-moderno

Fernanda Amalfi

Certa vez, em um dos muitos ensaios de teatro que estive, o diretor deu uma orientação para a turma que sempre me vem a cabeça: “Não finja ser, seja”. Durante horas a fio, a instrução era sempre a mesma. Não pareça ser, não queira ser, seja. Seja o vingativo Hamlet, seja a apaixonada Julieta, seja o ingênuo Orgon ou a emancipada Nora. Ali, o “como se fosse” não existia.

E ser ator é isso. É a profissão do ser. Num primeiro momento, um ser querendo ser um outro ser pode soar estranho, mas, diante da platéia, o intérprete não finge ser, ele é. Pleno. Inteiro. É a tal presença cênica, frequentemente citada nas críticas de jornais. O bom ator é presente, seguro. Aquele que, durante uma hora e meia, não é um, mas outro. Não é ele, mas a personagem. Seres descolados, diferentes.

Fora dos palcos, a realidade parece outra, mas é muito mais parecida com as peças de teatro do que imaginamos. Ou desejamos. Somos e, ao mesmo tempo, não somos. É como uma gangorra, um eterno ser e não ser. 

Durante um só dia, vestimos diversas máscaras. De José vira o empresário, que vira o cliente, que vira o investidor, patrão, motorista, marido... Por sua vez, Maria vai de advogada à dona de casa em pouquíssimas horas. Personas. Personagens. Nunca um ser.Diante da “era tecnológica”, o dilema de Shakespeare, do século XVII, ainda me parece adequado: “Ser ou não ser, eis a questão”. O Hamlet pós-moderno quer ser muitas coisas ao mesmo tempo, mas não se dá conta que só finge ser. Engana-se diante de tantos “seres”.

Todo mundo tem a necessidade de ser alguma coisa, de ser alguém, e ninguém nunca pensou em simplesmente ser. Ser um ser. E o pior é que poucos se dão conta que já se é.

...

Fernanda Amalfi é formanda da turma 45 de
teatro pela Fundação das Artes e formada 
em Jornalismo pela Faculdade Casper Líbero.

Nenhum comentário:

Postar um comentário