segunda-feira, 23 de abril de 2012

Shakespeare, Warde Marx e a Fundação das Artes

Hoje, dia 23 de abril, acredita-se, pela maioria dos historiadores, que seja o aniversário de nascimento e também de morte de um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, William Shakespeare. Comemorando a data, publicamos uma entrevista com o professor Warde Marx, a respeito do espetáculo "Macbeth", de autoria de Shakespeare, e que foi dirigida por ele, em 1999.

- Como chegamos a este texto, "Macbeth", para aquela turma e aquela época?
Warde- O "Macbeth" foi encenado em 1999, e eu dou aula desde 1990. Dirigi a minha primeira peça na Fundação em 1998 , "As Bruxas de Salém". Depois de um semestre, de novo eu peguei uma Formatura. Com esta turma, para a qual eu já havia dado aula, eu discutia com o Sérgio (Azevedo, professor da Fundação) o que poderíamos montar com esta turma, e a frase que ouvi dele foi "Acho que já está na hora da Fundação ter o seu Shakespeare", pois era uma fase em que estávamos comemorando 30 anos de Escola, e estávamos nos firmando como Instituição, e Shakespeare tem uma série de avais: a qualidade, a profundidade da formação do ator, o trabalho de ator no geral. A peça tem que atender ao objetivo da montagem, que é a Formatura de uma turma de Teatro. Todos os formandos têm que demonstrar a sua capacidade.

- O processo é mais importante que o resultado, numa Formatura?
W- É. O processo acaba se revelando muito importante e as pessoas se esquecem disso. É um trabalho artístico, sim, mas é uma disciplina de um curso, e você pode ser reprovado se não levar a sério.

- Nesta época, o curso durava quanto?
W- Quatro semestres, ainda. Eram três semestres de aula, e apenas um para a Montagem. Esta foi uma das primeiras temporadas da Fundação.




- E então, como foi o processo com o "Macbeth"?
W- A Temporada rolou bem, mas o processo, este foi muito profundo. Existem as feiticeiras na peça, que são chamadas de feiticeiras ou bruxas, e que na verdade não são nada disso, elas se chamam de irmãs na peça. No trabalho de pesquisa, eu peguei uma fala de "Macbeth" em que ele diz que elas seriam como as bolhas da Terra, ou seja, elementais, espectros. Em uma monografia que eu fiz sobre Gordon Craig, ele se pergunta como em uma montagem de "Macbeth", alguns encenadores não colocam essas figuras de espectros que deveriam assombrar todos os personagens? Se a gente montasse essa peça hoje, seriam como se fossem encostos, entidades. Não eram mais três feiticeiras, eram quinze. Chamamos mais meninas de outras turmas, e elas vestiam malhas, e faziam movimentos quebrados, de Butoh. E elas envolviam Macbeth nessa bruma de espectros. Nós estudamos a História da Escócia, e descobrimos os nomes das feiticeiras, que não havia no texto. E por causa de uma expressão na peça, e isto tudo foi pesquisado em livro, porque não havia Google na época, encontramos os nomes delas. Quando a Lady Macbeth está louca, ela tem um encosto, porque ela está vendo a coisa e o público vê o que está acontecendo, e a peça inteira era cheia disso. O processo foi extremamente rico e divertido.

- Foi bem intenso, então, porque seis meses, ou menos...
W- Foi, e a gente teve um workshop, também, de brutalidade. A peça é bastante violenta, que se passa no século XI, então, o mais grosso dos homens hoje, para aquela época era uma moça (risos). Eu e o Sérgio revezávamos no elenco, éramos alguns dos soldados, só para podermos brincar (risos). E os soldados usavam, como armas, bambus que nós havíamos herdado de "As Bruxas de Salém", o que é uma maneira de não ser tão naturalista e evitar acidentes. Neste dia, de um lado ficávamos eu e o Sérgio, e do outro, o resto do elenco masculino, e fizemos um cabo de guerra. Fizemos, e nós dois empurrávamos o elenco todo. À medida em que eles foram se soltando, e eles precisavam derrubar o outro, como em um jogo de meninos, mesmo, nós estávamos no personagem, e eles também começaram a chegar nos personagens, gritando, rosnando, mostrando os dentes. Não era mais apenas derrubar o outro, mas era lutar contra o inimigo. Sim, e teve outra coisa: no dia em que eu falei pra turma que iríamos montar a peça, muitos deles disseram que não iríamos conseguir.

- Por quê?
W- Porque era Shakespeare. Foi aí que eu desenvolvi uma frase que eu uso, pra quem vai montar Shakespeare. Existem duas coisas que você deve saber: um, é só mais uma peça; dois, mas é Shakespeare. É só mais uma peça, você vai montar do mesmo jeito que montaria outra, mas é Shakespeare, você tem que levar em consideração todo o peso que ele tem pra cultura ocidental, que é importante pra gente. Isto é reconhecido pelas pessoas como um desafio. E aí, lembrando que é Shakespeare, você descobre o prazer que é fazer Shakespeare. Dizer um texto não corriqueiro, mas que traduz um estado de alma. Não tenha medo, mas encare com o imenso prazer de enfrentar e vencer esse desafio.

- Você acha que as comédias dele são tão boas quanto as tragédias?
W- Tão boas quanto, é difícil, porque a tragédia é humana, e a comédia, social. Existem coisas daquela época, dele, que pra gente perderam a graça. Tinham graça naquele momento. E a tragédia, como lida com a condição humana, ela é atemporal. A gente sente o sentimento de um Édipo, por exemplo. A comédia da época da Grécia que ainda faz sucesso hoje, é "Lisístrata", porque lida com sexo e lida com guerra, o que é profundamente humano. Porque você pensa o quanto a guerra é ridícula, quando as pessoas trocam um pelo outro. Com Shakespeare, é o mesmo. Ele ainda tem algumas coisas muito engraçadas, porque ele é um autor do Renascimento, que é base da nossa sociedade moderna. As mesmas coisas engraçadas de "A Mandrágora" , do Maquiavel, são também engraçadas em "A Megera Domada", a gente ri dos dois. "Volponi", do Ben Jonhson, foi uma novela, "Um sonho a mais". "A Megera Domada", virou uma novela das seis, ou seja, são temas populares.
E se você pegar as coisas engraçadas, que também existem nas tragédias, se você vir o Hamlet, ele tira sarro do Polônio... Mas hoje, fazer graça é difícil. Um Molière, talvez seja mais fácil de entendermos, porque nós temos muito da tradição francesa, mas uma ou outra coisa, ainda, dele. A ideia do "Avarento" foi reproduzida só anos depois, em "O Santo e a Porca", de Ariano Suassuna. São joias únicas e raras.




- E como foi a Temporada?
W- Foi muito boa, com exceção de alguns problemas. Um dos atores não quis, uma vez, passar a coreografia de uma das lutas, por simples arrogância. Eu fazia questão de que em todos os dias de sessão, eles repetissem a cena, pois eles usavam espadas também, que não tinham corte, mas que machucavam, claro. E neste dia, ele se machucou. A cena continuou, era o final da peça, e ele foi levado para o hospital, e ele voltou no dia seguinte com pontos. "Que ninguém diga que foi feliz antes de chegar ao final de sua existência", é a fala de "Édipo Rei", ou seja, até a temporada acabar, não queira pensar que o trabalho está pronto. Eu sirvo a um Deus chamado Espetáculo, eu faço tudo por ele. Outra atriz, que não queria fazer o aquecimento vocal, na última semana, a voz dela falhou, enfim. No dia em que eu distribuí os papeis, um dos atores não deve ter gostado da distribuição, e foi embora, e nunca mais voltou. Mas de maneira geral, o processo com essa turma foi extremamente gostoso e profundo.

Confiram ainda nesta semana, no dia 27, mais uma homenagem ao dramaturgo: a Turma 46 vai fazer um bate- papo com o público sobre o processo de Formatura, "Trabalhos de Amor Perdidos", texto de Shakespeare e direção de Celso Correia Lopes. Estão todos convidados a participar do debate, e vamos todos homenagear o Bardo!












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