sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sobre as experiências do Núcleo de Pedagogia do Teatro

Leia o relato de Sérgio de Azevedo sobre as experiências do núcleo de Pedagogia do Teatro!


Os Núcleos de Pesquisa Teatral da Fundação das Artes de São Caetano do Sul foram instituídos como áreas de extensão à formação proporcionada pelo curso de formação profissionalizante da Escola de Teatro. Criado em 2.000, como decorrência da experiência com o Núcleo Estável de Teatro e ampliado em 2007 (foram abertos outros Núcleos) e 2008 (incorporado o Núcleo Teórico), este projeto solidifica-se como estrutura fundamental dentro da perspectiva de formação almejada pelos artistas-orientadores da escola.

Propor a criação de um Núcleo de Pedagogia do Teatro acabou sendo uma decorrência natural de meus estudos no Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da USP e da experiência como professor da Escola de Teatro e coordenador técnico e pedagógico de Viva Arte Viva – programa de desenvolvimento sociocultural realizado em parceria pela APAP/Fundação das Artes e Diretoria de Educação da Prefeitura de São Caetano do Sul que atende 1600 alunos e familiares ligados à Rede Pública de ensino da cidade.
A participação nos Núcleos é optativa e oferecida aos alunos do curso profissionalizante enquanto ainda regularmente matriculados. Foram oferecidas seis vagas que foram preenchidas a partir da análise do rendimento anterior do aluno ao longo do curso. As atividades ocorreram uma ou duas vezes por semana, num total de 25 encontros (aproximadamente 100 horas de trabalho presencial e 50 horas de estudo), no período de agosto a dezembro de 2.008.

A proposta de trabalho do Núcleo foi estruturada a partir de algumas inquietações e não de um conteúdo programático definido a priori. Partimos de questões como Quais são os pressupostos de uma pedagogia contemporânea do teatro?, O que fazer diante de nossa situação social, cultural, educacional? Como agir diante de uma situação tão calamitosa?, questões essas levantadas no dia-a-dia de minha atuação como artista-orientador e sintetizadas pela professora Maria Thaís no artigo Pesquisa e transmissão nas práticas de um coletivo teatral.

A própria composição do Núcleo reiterava uma vontade inicial: dos seis integrantes, dois não tinham experiência tampouco apresentavam interesse em lecionar. Ou seja, o Núcleo de Pedagogia do Teatro não se constituiu como espaço para “aprender a dar aula”, mas sim como ambiente de encontro focado na discussão sobre as possibilidades pedagógicas da prática teatral.

A pedagogia como um ato criativo é uma realização da necessidade de criar uma cultura teatral, uma dimensão do teatro cujos espetáculos somente satisfazem parcialmente, e que na imaginação traduz em tensão vital. É por isso que no princípio do século XX o teatro existiu primariamente por intermédio da pedagogia (antes que isso se tornasse enaltecido, organizado e didático) e porque a pedagogia pode ser vista como uma linha direta na continuidade da maioria das experiências teatrais significantes na época. (Cruciani citado por Bulhões, 2004, página 41)
A partir das inquietações, estabeleci como caminhos possíveis:
• A reflexão e discussão suscitadas a partir de aspectos teóricos da Pedagogia do Teatro: leitura de referências bibliográficas, fichamentos, protocolos, discussões, trocas etc.;
• A reflexão e discussão suscitadas a partir de aspectos práticos da Pedagogia do Teatro: intercâmbio, observação, contato, visitas, bate-papos com profissionais e grupos que atuam nos mais diversos âmbitos da ação cultural.

Se o primeiro dos aspectos acima se configurava como um momento importante de contato com leituras e estudos com os quais tive contato na ECA-USP e no trabalho como professor da Escola de Teatro, o segundo surgiu de uma vontade muito forte de concentrar atenção fora do contexto pedagógico da Fundação das Artes, proporcionando não somente ao grupo bem como para mim mesmo a possibilidade de estabelecer vínculos com outras propostas e outras experiências.
A partir desses dois caminhos, descrevo aqui os parceiros de nossa trajetória no Núcleo de Pedagogia do Teatro.
Nossos parceiros de reflexão por meio da leitura:
• Alexandre Matte, artigo Um olhar sobre a história e o fazer teatral;
• Anatol Rosenfeld, trecho do livro O Teatro Épico;
• Carminda Alves, artigo Escola é lugar para Artes?
• Flávio Desgranges, livro Pedagogia do Teatro: Provocação e Dialogismo e o artigo Quando teatro e educação ocupam o mesmo espaço;
• Hannah Arendt, capítulo Crise na educação, do livro A condição Humana;
• Heloise Vidor, artigo A pedagogia pós-crítica na ação do professor-artista: a interação entre o pedagogo e o ator;
• Ingrid Koudela, artigo Pedagogia do Teatro e A ida ao teatro;
• Joaquim Gama, artigo Teatro, uma experiência criativa;
• Malu Pupo, Entre o Mediterrâneo e o Atlântico, uma aventura teatral;
• Maria Thais, artigo Pesquisa e transmissão nas práticas de um coletivo teatral
• PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais;
• Teixeira Coelho, O Que é Ação Cultural?;

Já nossos momentos de reflexão por meio do contato presencial foram inspirados nas seguintes atividades, abaixo descritas pela ordem cronológica de nosso contato:
• II Semana da Prosa, organizada pela Cia. Colcha de Retalhos, evento no qual conhecemos Lucilene Silva;
• Semana de Teatro-Educação da Universidade de Sorocaba, por meio da apresentação de Ensaio sobre a ilha em Sorocaba e do posterior Bate-papo realizado com os alunos da Licenciatura em Teatro;
• Chamas na Penugem, apresentação dos alunos da Graduação de Pedagogia do Teatro da UNISO na Mostra Vocacional apresenta, realizada no CEU Butantã;
• K, apresentação do Grupo de Teatro do Singular no Teatro Conchita de Morais, em Santo André;
• Semana de Arte do CAC – Departamento de Artes Cênicas da USP, evento por meio do qual pudemos conhecer os projetos de extensão da UNESP;
• Festival SESI de Teatro Estudantil de Sorocaba, participação do Núcleo de Teatro-Esporte da Fundação das Artes na mostra competitiva;
• Grupo de Teatro do Colégio Singular: Num bate-papo aberto e descontraído, pudemos conhecer um pouco mais da experiência de Marcelo Gianini que há quase 20 anos coordenada o Grupo (que depois também esteve na Fundação das Artes para um bate-papo com o Núcleo);
• NAC Santos, num delicioso papo com Yara Lo Martins, pudemos conhecer 15 anos de experiência em ação cultural no Núcleo de Artes Cênicas do SESI Santos;
• Núcleo de Pedagogia do Teatro da ELT, visitamos e fizemos um intercâmbio com o Núcleo da Escola Livre coordenado por Maria Tendlau;
• Próximo Ato, lançamento do projeto do Itaú Cultural sobre grupos de teatro e debate sobre a produção em grupos de teatro;
• Congresso da Abrace, Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas, realizado em Belo Horizonte.
• Festival de Teatro Estudantil de Teatro de Tatuí, participação de um dos integrantes do Núcleo como jurado e da turma 39 nas apresentações;
• TPT – Trabalhos de Pesquisa Teatral, apresentação dos trabalhos do Núcleo 39.
• Teatro das cinco, apresentação do espetáculo “Contos e Cantos” e debate realizado no Dezembro Cultural.
• Apresentações de nossos pupilos, na Mostra Fundação das Artes de Teatro e em apresentações de final de encerramento de processo de colégios aos quais os integrantes estão ligados;

Entre dúvidas e incertezas

No início, os encontros do Núcleo pareciam ocorrer permeados por uma densa névoa de dúvidas e inadequações. Por vezes, percebia os integrantes questionando a si mesmos: o que eu estou fazendo aqui? Além dos textos não fazerem parte da leitura cotidiana, a própria dinâmica instaurada a partir do bate-papo e das inquietações de cada um, no início, pareciam mais distanciar do que aproximar.
Porém, à medida que avançávamos, a névoa pareceu se dissipar (não se iludam, ela voltaria com força total, mas sob outra forma) e as discussões avançaram. No entanto, foi a prática e o contato presencial com outras ações que mais mobilizaram os integrantes, seja no sentido de estabelecer vínculos com essas mesmas ações, seja no sentido de mobilizar os conteúdos abordados por nossas leituras.
Nesse sentido, muito contribuíram as reflexões apontadas pelo professor Warde Marx em seu artigo Teoria para quem quer prática, apontando caminhos para a reflexão criativa e produtiva em cursos nos quais o aluno está habituado a aprender pela prática:
Parece-nos que há algo em que alunos e professores estão de pleno acordo: aulas teóricas, especialmente no período noturno, são uma complicação! Monotonia, sono, leituras, blá-blá-blá... uma série de dificuldades. Ainda que essas afirmações, à luz da Didática, sejam muito discutíveis, foram estabelecidas como verdades, o que nos leva a outro problema: o do preconceito - no caso contra a teoria, colocando-a como sinônimo de conversa fiada. A questão assume maiores proporções ao situarmos a disciplina teórica em um curso onde a prática, o fazer sejam alvo de maior ênfase. Que dizer de nosso caso concreto, um curso profissionalizante de teatro? Como fazer com que fique claro, para o ator brasileiro, que o fato de perceber a influência dos jesuítas do século 16 em nosso teatro e saber interpretar um determinado personagem devem ter o mesmo peso, a mesma importância? Em uma sociedade como a nossa, de onde o prazer da descoberta através do pensamento, inspirado pela leitura, foi banido por formar monstros que “comiam criancinhas”, retomar o processo histórico, apresentar às novas gerações o passado, como forma de compreender o presente e desvendar o futuro, afigura-se como insanidade! Ora, como artistas, os atores devem espelhar a sua realidade, a fim de que seus contemporâneos vejam-se nela inseridos; mormente ao considerarmos a cultura como aquilo (tempo, espaço e os eventos que aí ocorrem) que nos faz ser como somos. Sendo a arte a expressão estética da cultura, temos completo o lastimável quadro.

Nossas discussões foram permeadas por diversos assuntos e pela descrição de muitas experiências práticas dos integrantes (lembrando que quatro dos seis mantinham atividades pedagógicas durante o período que participaram do Núcleo). Foi com grande prazer que comecei a perceber olhos brilhando à medida que pequenas descobertas se estabeleceram em nossos encontros.

As discussões também abriram espaço para discutir atitudes tomadas pelos artistas-orientadores, sejam os próprios integrantes em suas práticas pessoais, sejam os professores da Fundação das Artes.

As experiências dos integrantes em suas mais diversas experiências como artistas-orientadores serviam, constantemente, de referências para aproximar as referências teóricas da prática por eles estabelecida. Algumas experiências foram, especialmente para mim, muito marcantes. Depois de muitas tentativas, de fato conseguimos estabelecer um contato, uma aproximação com a Escola Livre de Teatro de Santo André. O encontro, realizado em 15 de outubro, com os integrantes do Núcleo orientado por Maria Tendlau proporcionou momentos de descobertas, aproximações e questionamentos interessantes.

Nossa ida ao Núcleo de Artes Cênicas do SESI Santos foi, pra mim, muito tocante. Não só pelo fato de eu ter feito parte do NAC Santo André durante quase 10 anos, mas principalmente pela generosidade de Yara Lo Martins, artista-orientadora que há 15 anos acompanha as atividades do Núcleo. Nas mais de 3 horas em que conversamos, pudemos mais do que estabelecer conexões práticas com nossas inquietações bem como conhecer uma profissional que há muito se dedica ao desenvolvimento sociocultural por meio do teatro. Foi um encontro de gerações.

Sobre a névoa que descrevi no início deste trecho, ela acabou voltando e acompanhando o Núcleo durante nossos encontros finais. Diferentemente da forma anterior, desta vez aparecia sob a forma de inúmeras perguntas que pareciam não mais querer calar. E não calaram. No entanto, se terminamos esse breve período com muito mais questões do que tínhamos no início, também nos damos conta de que cada um de nós faz as perguntas que mais nos tocam.

Nesse sentido, foi muito prazeroso acompanhar as inquietações de cada um dos integrantes, que acabaram refletindo diretamente na produção dos textos de cada um. A Maíra e a Kevelyn, que sempre deixaram claro que não tinham a intenção de atuar com artista-orientadoras, focaram seu olhar sobre questões outras: a primeira na importância das atividades de extensão (extracurriculares) na formação do artista e a segunda na relação entre a crítica e os trabalhos acadêmicos.

Já a ala masculina do Núcleo, ligada mais de perto ao cotidiano de aulas, focou, cada um de uma maneira específica, aspectos relacionados á sua atuação neste ano, destacando a importância do resultado no processo teatral, a experiência do estágio no Programa Viva Arte, o cotidiano das aulas de teatro na EMEF Laura Lopes e as conexões possíveis entre a ação cultural tal qual proposta por Teixeira Coelho e experimentada na prática em um colégio particular.

Acredito que as atividades do Núcleo contribuíram não só para registrar as atividades e inquietações de cada um, mas também para se perceber as possibilidades pedagógicas e de transformação social propostas pelo teatro nos mais diversos âmbitos.

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